Por Paloma Sama
Os nórdicos, conhecidos principalmente pelas civilizações da Escandinávia e suas culturas vizinhas, foram um grupo de povos que viveram durante a Idade do Ferro e a Era Viking, entre os séculos VIII e XI.
Assim como muitos povos, eles também possuíam suas crenças, e Helheim (um dos nove mundos da mitologia nórdica), é o reino dos mortos. Um lugar de descanso para as almas daqueles que faleceram de causas naturais ou sem grande honra, como aqueles que morreram de velhice, doenças ou acidentes. Essas almas não recebem as mesmas honras que os guerreiros que morreram bravamente em batalha (algo decerto valorizado por eles).
O conceito de Helheim, porém, não é exatamente um lugar de punição eterna, como o inferno cristão. É mais um lugar onde as almas simplesmente permanecem, sem uma recompensa gloriosa ou uma punição severa, somente esperando seu destino ou sua extinção.
Hellblade: Senua’s Sacrifice
(Lançado em 2017 pela Ninja Theory – Jogo de ação e aventura)
Senua, uma jovem guerreira celta, carrega uma doença hereditária: sofre de psicose, uma condição incompreendida e aterrorizante na época, onde sua percepção da realidade se distorce por alucinações visuais e auditivas. Criada por um pai religioso e abusivo, que acreditava que sua cura viria por meio de castigos e penitências, Senua viveu trancafiada e torturada, sendo vista como um "monstro" aos olhos da comunidade.
Nos raros momentos em que escapava da prisão de seu próprio lar, Senua encontrou Dillion, um homem cuja persistência e paciência a cativaram. Ele era diferente dos outros. Não a temia, nem a tratava como uma maldição — quem não se apaixonaria por alguém capaz de enxergar além da escuridão que sempre a rodeou?
Com o tempo, ambos criaram um forte vínculo. Ele a convenceu a viver longe do pai tirano e dos horrores do passado, oferecendo-lhe a promessa de uma vida juntos. Ela aceitou, mesmo sob a dura advertência de seu pai, que a alertava de que sua "maldição" destruiria todos ao seu redor. Mas, finalmente, Senua encontrara um porto seguro, um lugar onde poderia ser ela mesma, longe da repressão e do sofrimento.
E funcionou, por um tempo. No entanto, a aldeia foi atacada por vikings eventualmente, contaminando as águas e espalhando uma praga. A comunidade, acreditando na "maldição" de Senua, a culpou pela tragédia, e ela se convenceu de que sua condição também havia causado a morte do pai de Dillion e temendo a reação de seu amado, ela decidiu ceifar a própria vida, no entanto, ele a impediu.
Consumida pela culpa, Senua se exilou na floresta, jurando voltar apenas quando tivesse cumprido sua condenação, mas sua mente foi se deteriorando, distorcendo a realidade a cada dia. Foi então que ela encontrou Druth, um homem ferido que lhe contou sobre suas tragédias e sobre as lendas vikings antes de sucumbir aos ferimentos.
Após um tempo, Senua não poderia fugir do peso de seu próprio destino e ela finalmente decidiu retornar à sua aldeia encontrando-a destruída pelos vikings, que ceifaram a vida de dezenas, inclusive a de Dillion, que não só foi morto, mas também foi submetido a um ritual torturante.
Devastada pela dor e pela perda, Senua mergulhou em uma espiral psicótica e acreditou que, se levasse a cabeça de Dillion — a fonte de sua alma — até Hela, a deusa do submundo, poderia trazê-lo de volta. Guiada por essa crença distorcida, ela partiu em uma jornada até Hel, onde a realidade e os mitos se fundiam em um mundo distorcido pela sua mente. Cada desafio que enfrentava era um reflexo dos traumas de seu passado, e Senua acreditava que, ao superar essas sombras, poderia trazer Dillion de volta e, talvez, encontrar paz.
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Desde o início do jogo, somos imersos na mente fragmentada de Senua, acompanhando-a enquanto ela tenta lidar com os terríveis e confusos sintomas de sua condição mental à medida em que busca por Dillion.
A jornada de Senua não é somente física, mas também emocional e mental, uma luta interna contra suas alucinações e a constante sensação de culpa, perda e desespero.
Uma das características mais marcantes é a maneira como o jogo representa a psicose de Senua. A narrativa e a jogabilidade são construídas para refletir sobre o caos e a sua distorção mental. Ao longo do jogo ela ouve vozes em sua cabeça, as quais nos são apresentadas mediante áudio binaural para nos colocar dentro da mente de Senua, ouvindo as vozes que ela escuta.
Hellblade: Senua's Sacrifice é uma obra de arte que aborda temas de saúde mental com uma profundidade rara em jogos de videogame. O enredo não somente oferece uma história cativante e envolvente, mas também faz um trabalho admirável em humanizar a experiência de viver com psicose. A mistura de mitologia, combate e exploração com a realidade psicológica de Senua cria uma narrativa única que desafia as convenções dos jogos tradicionais. Não se destaca apenas como um jogo, mas como uma experiência sensorial e emocional, e não narra só a busca por resgatar uma alma perdida, mas também nos desafia a refletir sobre a complexidade da mente humana, a dor e a cura.
Curiosidades: O jogo utiliza áudio binaural, uma técnica que cria uma sensação de som tridimensional, fazendo com que as vozes pareçam vir de diferentes direções. Isso aumenta a imersão e dá uma ideia do que pode ser a experiência de alguém com psicose.
* Para retratar de forma autêntica as experiências de Senua com psicose, os desenvolvedores trabalharam com neurocientistas e especialistas em saúde mental. Isso incluiu reuniões com pessoas que vivenciam a condição para garantir uma representação respeitosa e realista.
* Foi amplamente reconhecido, ganhando diversos prêmios, incluindo o BAFTA para Melhor Performance de Ator (Melina Juergens) e Melhor Jogo de Ação.