
Por Chiara Santi
O sábio Confúcio nasceu nos meados do século VI, no ano de 551 aC. na região nordeste da China. Neste século não havia muita harmonia política na China e Confúcio cresceu em uma realidade violenta, presenciando conflitos e guerras ao redor. Embora não fosse de uma condição economicamente abastada, teve acesso a uma educação formal de qualidade e desde cedo demonstrou uma capacidade intelectual notável. Por volta dos seus quinze anos, dedicou-se aos estudos da história de seu povo e ainda na juventude ascendeu a cargos públicos. Seu pensamento foi profundamente marcado por três grandes temas: Política, Ética e as tradições.
Acima de ser um conselheiro político, ele foi considerado um importante educador. Não de uma educação meramente informativa de conteúdos, mas uma educação formativa de caráter, para todo o desenvolvimento do potencial humano. E, como todo grande clássico que se torna imortal no tempo, a China contemporânea torceu e retorceu os ensinamentos do sábio Confúcio. A interpretação posterior de sua obra não condiz, em grande parte, com a essência da pessoa dele e dos ensinamentos que ele proferiu em vida. Porém, pode-se extrair uma imagem significativa dos pensamentos dele e da pessoa que ele foi através de seu livro Os Analectos.
O texto reúne uma série de máximas, aforismos e anedotas que foram escritas e organizadas pelos discípulos diretos de Confúcio e seguidores posteriores. Embora Confúcio tenha morrido aos 73 anos de idade acreditando que havia falhado em sua missão política, sua sabedoria atravessou os séculos e permaneceu até hoje com ensinamentos que são universais sobre a formação do espírito humano e sua consonância com o cosmo. Em linhas gerais, o pensamento político de Confúcio converge para que o rei se torne o exemplo moral a ser seguido por todos os súditos, ele precisa dar o exemplo primeiro para obter respeito e credibilidade. Para isso, o governo deveria pertencer aos sábios e pessoas intelectualmente capazes para governar. Grande parte do que ele tentou transmitir nos Analectos está na intenção de “retificar os nomes”. Trazer novas definições para conceitos importantes sobre a virtude, para que cada vez mais as palavras correspondam diretamente com as ações concretas na realidade, promovendo mudanças de pensamentos e atitudes.
Neste momento, farei uma síntese dos vinte pontos presentes no livro, procurando extrair deles a sua ideia principal:
I. O mestre aconselha respeitar os mais velhos para perceber a raiz que sustenta a ordem e a hierarquia. A colocar em prática o que se aprendeu, incorporando o aprendizado, fazendo um autoexame diário de suas ações. Para governar, é preciso ser econômico com os recursos e amar todas as pessoas, mas prezar pela companhia das virtuosas. Quando chegar em uma cidade nova, mostrar-se receptivo e cortês para conhecê-la. A harmonia deve ser subordina ao ritual ( entende-se aqui algo como “os bons costumes”). A conduta e as palavras devem ser orientadas por aquilo que é correto. O homem que gosta de aprender contenta-se com as situações sem exigir delas mais do que o necessário. Mesmo que ninguém reconheça o seu valor, que você seja a pessoa que reconhece o mérito das outras.
II. Governar pela virtude faz prevalecer o respeito de todos. Sintetizar todo o ensinamento em um só “não penses no mal”. Ser guiado pela virtude ensina as pessoas a desenvolverem por si mesmas o bom comportamento. Sobre a relação entre pais e filhos, é aconselhado obedecer à autoridade dos pais através do ritual, demonstrando respeito. Descobrir a real motivação de um homem e de onde ele tira a sua paz, é conhecê-lo plenamente. O verdadeiro cavalheiro ensina só o que ele mesmo pratica. Os estudos devem ser realizados através de um pensamento ativo e o conhecimento se define por aquilo que você sabe e pelo reconhecimento do que desconhece. Para conquistar a atenção do povo, deve-se promover no governo as pessoas justas, para que elas sejam inspiradas. Promover os bons e educar os desvirtuosos. Pode-se contribuir com a política através de ações pequenas, como respeitar os seus pais e ser gentil com os irmãos. Não se pode esperar nada de quem não é confiável. Para prever o futuro, basta olhar para o exemplo dado pelos homens que estão presentes agora, as sementes que estão sendo plantadas hoje. Deve-se honrar os deuses de sua própria região e agir com coragem quando a justiça é pedida.
III. A opulência corrompe o governo, o homem precisa de humanidade para lidar com o ritual. O fundamento do ritual deve ser a simplicidade. Um cavalheiro evita competição e age com cordialidade nessas ocasiões, se forem inevitáveis. O ritual vem depois do espírito já estar preparado para executá-lo. É preciso deixar sua marcar através das gerações e reverenciar a divindade com todo o coração. O ritual consiste em querer saber tudo sobre ele, para melhor respeitá-lo. Um dirigente deve ter cortesia com seu ministro e o ministro deve ter lealdade com o seu dirigente.
IV. Escolher um lugar para morar em que há pouca humanidade não é boa escolha. O homem sábio e bom tira proveito de sua humanidade. O desenvolvimento de sua própria humanidade não compactua com a essência do mal. É importante não trair os seus princípios para crescer em sua carreira. O princípio da bondade deve guiar todo o Caminho. Deve-se escutar a orientação divina para seguir o Caminho todas as manhãs. Os bons princípios devem orientar todo governo, segundo o Ritual. O mestre, ainda aconselha: respeitar e cuidar dos pais, preservar a educação recebida, ter uma coerência entre palavras e ações, que a melhor decisão é o domínio de si e lembra que a intolerância não é boa para nenhum relacionamento.
V. Um homem que sabe se preservar é um bom partido para o casamento. A cidade virtuosa forma bons cavalheiros. É importante ser prudente ao assumir um compromisso e responsabilidade. Independente da capacidade exercida por um homem, isso não significa que ele seja bom. Alguém que segue os desejos não pode ser constante. O mestre falava orientações sobre a cultura, mas sobre os assuntos do Caminho para o Céu, ele mantinha o silêncio.
VI. O mestre diz que é bom evitar ser condescendente demais. O melhor discípulo é aquele que ama aprender e jamais repete o mesmo erro duas vezes. A riqueza é sinônimo de oportunidade para poder partilhar com os outros os bens disponíveis. Um homem pode ser alegre apesar de ter poucos recursos materiais. A tentativa de ser bom já é suficiente para produzir frutos.
VII. O conhecimento do mestre consistia em estudar o passado, suas maiores preocupações eram em fracassar em defender o que ele sabia ser o certo e na divulgação do saber moral. O mestre ensinava todas as pessoas que desejavam aprender, mesmo que elas não tivessem recursos para pagar as aulas. O mestre só agia tendo como base algum conhecimento adquirido. Colocar a bondade como um ideal já é uma forma de encontrá-la pelo caminho.
VIII. O mestre admirava quem cumpria bem o seu papel de acordo com a função exercida.
IX. Por ter nascido com poucos recursos, o mestre buscou o aprendizado e se desenvolveu em várias habilidades. Mesmo que um ambiente seja hostil, se ali chegar um cavalheiro virtuoso, o povoado terá contato com a virtude, podendo ser educado através do exemplo.
X. O mestre se comportava com diligência de acordo com cada situação do cotidiano, seguindo a etiqueta pedida. Seja diante da corte do rei, nas tarefas diárias ou no trato com as pessoas.
XI. O mestre conforma-se em reconhecer o limite do conhecimento, como a falta de certeza com relação ao tema da morte. De sentir de forma profunda os sentimentos humanos, como a perda de um amigo querido. O mestre costumava adaptar os conselhos de ensino de acordo com o perfil do aluno, visando a assimilação prática do aprendizado.
XII. A prática da humanidade consiste em investigar o seu próprio eu e reestabelecer os ritos. O mestre diz que um governo só se mantém com a confiança de um povo, que um bom governante faz tudo ao seu redor prosperar, que o desenvolvimento da percepção depende de ser capaz de amar a justiça.
XIII. Um bom governante é aquele que dirige a sua própria vida com retidão e, por causa disso, o seu governo também.
XIV. O mestre comenta sobre os aspectos duais da prática da virtude, percebendo que um homem para ser considerado minimamente realizado é alguém que soube se manter fiel à prática da justiça em todas as situações.
XV. O ensino deve ser dado a quem deseja recebê-lo e evitado a quem não deseja buscá-lo, um bom mestre valoriza o seu tempo. O mestre diz que é melhor exigir muito de si mesmo e pouco dos outros, assim evita-se quebra de expectativas.
XVI. Um bom governo garante paz e igualdade para a sua população, evitando conflitos. Para um bom desenvolvimento, deve-se preservar amizades com pessoas virtuosas e confiáveis. Um cavalheiro mantém o autodomínio em todas as etapas da vida.
XVII. Um sábio deve colocar em prática seu conhecimento. O mestre elenca algumas virtudes importantes para a promoção da Humanidade: cortesia, generosidade, tolerância, boa-fé e diligência.
XVIII. Um cavalheiro deve servir seu estado, de nada vale preservar a pureza isolando-se do mundo. A missão do sábio é a de compartilhar o seu conhecimento.
XIX. Para seguir o Caminho é preciso convicção e determinação.
XX. O mestre diz que para exercer um bom governo é preciso cultivar a virtude da generosidade e evitar os pecados da ganância e da tirania.
Considerações Finais
Talvez a minha tentativa com esse texto possa ser considerada por alguns especialistas de Confúcio uma simplificação muito ousada das ideias do mestre. Mas busquei, na medida do possível, transcrever a ideia principal de cada um dos pontos transcritos pelos discípulos dele. Percebi que um tema recorrente é comentar sobre o desenvolvimento da ética humana inserida em um dado contexto histórico e cultural, atendendo as exigências prescritas pelas normas de etiqueta daquela época na China. O que Confúcio se refere como “seguir o Ritual”. Com uma linguagem por vezes enigmática, ao final da leitura da obra Os Analectos considero um trabalho bastante difícil de interpretação dos aforismos de Confúcio, o que expus aqui é a superfície de algo muito mais profundo, para ser ruminado com calma, lido e relido. Espero, com esse texto, despertar o interesse dos leitores em quererem percorrer esse caminho por si mesmos, de análise dos ensinamentos universais desse sábio chinês tão importante para a história do pensamento mundial. Confúcio nos faz perceber que acreditar na possibilidade de educação para a nobreza da alma humana é um anseio que transcende todas as barreiras temporais e culturais, que acreditar no aprimoramento do ser humano por meio da educação é uma busca universal.
Referências
CONFÚCIO. Os Analectos. Tradução para o inglês, apresentação e notas de Simon Leys. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ROBERTO , José; GOMES, Danilo . Especial XIII Semana da Filosofia - Confúcio - Os Analectos - Dia 2. Nova Acrópole Brasil Sul, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a3HKJEodTpk . Acesso em: 20 nov. 2024.
PAPP, Károly. A vida de Confúcio. AS RELIGIÕES DO MUNDO -- HISTÓRIAS ANIMADAS, 2011. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=a3HKJEodTpk . Acesso em: 20 nov. 2024.