
Por Bruno Pasquarelli
É inegável que os seres humanos estão cada vez mais viciados em telas, especialmente as de celulares. O número de smartphones ativos no mundo já está prestes a ultrapassar o número de pessoas no planeta. Estima-se que cerca de 7 bilhões de aparelhos estejam em uso atualmente, e o Brasil é um dos países que mais utilizam essa tecnologia. O número de usuários cadastrados nas redes sociais é equivalente a 80% da população brasileira, por exemplo.
Esse “casamento” com o celular é, na verdade, um relacionamento abusivo. O celular contém partes importantes de nossa vida, exige cuidados diários como carregamento e limpeza, é frágil e sua vida útil é programada para expirar rapidamente, forçando a compra de um modelo mais avançado (e mais caro). Financeiramente, essa relação é um verdadeiro abuso. Lembro de uma frase de um livro que li (e do filme que assisti, Clube da Luta), em que o personagem critica o excesso de consumo: “O que você possui acaba possuindo você.”
Além disso, as telas são grandes atratoras de atenção. A atenção é o nome dado ao estado mental responsável pela percepção — o estado presente. Assim, nossa atenção está sendo constantemente direcionada para uma tela que nos oferece muito mais do que nossa visão (o sistema sensorial mais evoluído) pode absorver em um único momento.
Imagine a quantidade de imagens de ambientes, pessoas, situações cotidianas, natureza selvagem e outros cenários distantes que somos expostos todos os dias. Cada uma dessas experiências são processadas e armazenadas em nosso corpo, mais especificamente nas áreas mais basais do cérebro.
Próximo a essas áreas, as emoções são processadas. Elas funcionam como uma forma imediata de representar nosso estado atual, frequentemente associando e criando imagens do passado, do presente ou até mesmo do futuro, o que chamamos de imaginação.
As emoções são impulsos mediados por neurotransmissores. Você provavelmente já ouviu falar de alguns deles: dopamina, serotonina, cortisol, adrenalina, entre outros. Cientistas alertam sobre as mudanças no cérebro dos humanos expostos por longos períodos aos aparelhos eletrônicos. Essas mudanças alteram o padrão de comportamento e as redes de neurônios. A mente, fruto dessa interação entre corpo e cérebro, passa a buscar padrões de recompensa e prazer. O vício por prazer imediato — como o que sentimos ao rolar a tela do celular nos reels ou no TikTok, ou ao checar os likes nas postagens — faz com que busquemos continuamente esse efeito de dopamina.
Isso leva à fadiga cognitiva, prejudicando outras atividades essenciais da vida cotidiana, como ler, estudar, interagir socialmente, ou realizar atividades criativas e artísticas. Também afeta a retenção da memória de curto e médio prazo. Sabemos que a memória é ativada por situações emocionais significativas, mas a sobrecarga de informações de baixo valor emocional faz com que os neurotransmissores sejam consumidos sem que retenhamos essas informações de forma útil.
O uso prolongado de dispositivos eletrônicos, como celulares, tablets, computadores e TVs, tem sido objeto de investigação há décadas. Após a pandemia, com o aumento do trabalho remoto e híbrido, estima-se que o tempo de exposição às telas tenha aumentado entre 25% e 48% entre os adultos.
Além dos efeitos prejudiciais ao cérebro, o consumo excessivo de conteúdo de baixo valor moral também tem aumentado. Conteúdos que envolvem violência, agressões online, bullying, fake news, comparações de estilo de vida com outros usuários, golpes, fraudes, incitação a jogos de azar, entre outros, têm gerado um impacto negativo. Caso o usuário não se atente aos efeitos desse uso excessivo, há o risco de um declínio cognitivo causado por essa avalanche de informações superficiais, muitas vezes falsas, com baixo conteúdo relevante e desafiador — um desperdício da impressionante capacidade intelectual humana.
Além disso, na minha área de formação, a Educação Física, o declínio das habilidades corporais e o aumento do sedentarismo também são reflexos desse problema, o que preocupa, pois afeta principalmente as gerações mais jovens, comprometendo o futuro da humanidade.
O que fazer diante dessa hiperconectividade online? Como reduzir os efeitos negativos na mente e no cérebro humano? É possível reverter esse processo ou amenizar os danos causados?
Amar pessoas e criar coisas com valor emocional e afetivo são algumas das fontes de felicidade de qualquer ser humano. Isso parece imutável e perene. Portanto, há vida fora da tela preta de luzes brancas, é preciso reviver os tempos passados, desacelerando o fluxo de informações que consumimos. Nosso corpo e mente necessitam dos benefícios de uma vida desconectada das redes sociais e conectada às coisas terrenas, mundanas e abundantes da vida natural.
É necessário criar ambientes "anti-redes sociais", agradáveis, desafiadores e prazerosos. Cada pessoa pode fazer suas próprias escolhas e criar seu próprio espaço. Algumas atividades que podem ajudar nessa transição de um estilo de vida hiperconectado para um mais equilibrado incluem:
Diminua o tempo de tela dedicado a informações superficiais e use esse tempo para consumir conteúdos mais complexos e desafiadores, como livros, poesias, textos ou ensaios sobre temas que te interessam.
Esteja em contato com a natureza. Permita-se momentos de transcendência e contemplação. Conecte-se com a natureza como parte dela, não como algo superior. Observe os detalhes que a câmera do celular não consegue captar — a natureza tem muito a nos ensinar.
Escute música de forma mais profunda. Em vez de ouvir playlists variadas, ouça um álbum inteiro de um artista de sua preferência. Decore as letras das músicas que mais te emocionam; isso pode ajudá-lo a reter informações e gerar recompensas de dopamina que favorecem um autoconhecimento mais profundo.
Cultive hábitos de movimento consciente. Matricule-se em atividades físicas que você goste ou experimente novas modalidades que ajudem a manter o corpo saudável, além de promover a interação com outras pessoas. A aprendizagem motora tardia é altamente recomendada por cientistas que estudam o desenvolvimento humano.
Inclua momentos de regeneração na sua rotina, como práticas de meditação guiada ou simplesmente deitar-se com os olhos fechados por 20 a 30 minutos. Essas pausas ajudam a restaurar os níveis de dopamina e aumentam a motivação. Também é importante fazer pausas para se alimentar bem e se manter hidratado.
Cuide da sua rotina de sono, incluindo cochilos durante o dia, se necessário. O sono é fundamental para o corpo, a mente e o humor. A qualidade do sono impacta diretamente na capacidade de realizar tarefas complexas, então priorize um bom descanso.
Recupere habilidades manuais e criativas. Escreva à mão, se expresse de forma artística. As habilidades artesanais estimulam a inteligência corporal, e a escrita é uma das formas mais profundas de expressão reflexiva e criativa.
Essas práticas podem ajudar a mitigar os impactos do consumo excessivo de conteúdo passivo, aprimorando a clareza mental e a capacidade de concentração ao longo do tempo.
Referências Bibliográficas
SCOTT, Carol F. et al. Time spent online: Latent profile analyses of emerging adults' social media use. Computers in Human Behavior, v. 75, p. 311-319, 2017. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0747563217303382
SERAFINI, Mariana. Redes Tóxicas: A psicanalista Maria Rita Kehl reflete sobre os impactos da hiperconectividade na saúde mental e nas relações humanas. Publicado na edição n° 1343 de CartaCapital, em 31 de dezembro de 2024.... Leia mais em https://www.cartacapital.com.br/sociedade/redes-toxicas/.
COSTA, K. dos S.; DUQUE, C. da S.; DUMARDE, L. T. de L.; OLIVEIRA, O. da S.; ANDRADE, P. J. de; KOEPPE, G. B. O. O impacto das redes sociais na saúde mental dos adolescentes: os gatilhos da ansiedade virtual. Global Academic Nursing Journal, [S. l.], v. 4, n. Sup.3, p. e383, 2023. DOI: 10.5935/2675-5602.20200383. Disponível em: https://www.globalacademicnursing.com/index.php/globacadnurs/article/view/526. Acesso em: 8 jan. 2025.