Por Maria Gabriela Cardoso
*texto inspirado em uma história real,
com nomes e personagens fictícios.
Era umas dez da manhã, mal havia colocado os pés na instituição e já escutei os burburinhos. As funcionárias corriam de um lado pro outro. Não precisei perguntar a ninguém sobre o que estava acontecendo, logo entendi quando encontrei Renata. Ela estava chorando com uma das mãos cobrindo o olho esquerdo. Quando me viu, mostrou a vermelhidão da pele e respondeu secamente sem nem eu perguntar: João Pedro. Na verdade, eu já imaginava que tinha sido ele. O menino havia arrancado a maçaneta da porta e usado para ferir a monitora. João, de oito anos, estava conosco há poucos meses. Ele foi acolhido pela casa após ter sido retirado das ruas, onde cometia furtos e roubos com arma de fogo. Ele tinha família, mas o pai preso e a mãe usuária de drogas não tinham a sua guarda. O restante da família se negava a acolhê-lo. O garoto era conhecido por ter crises de raiva e destruir tudo em volta. Durante o surto, uma das cozinheiras da casa o filmou destruindo a sala de aula. O vídeo foi parar na internet, publicado por um jornal local. A publicação ficou famosa e a população se juntou nos comentários. Alguns diziam que tínhamos que corrigi-lo com uma surra, outros falavam que tinha que ser preso como um adulto. Outros, mais enfurecidos, falavam até em pena de morte. E tinham aqueles que debochavam, dizendo que ele era uma vítima da sociedade e deveria ser levado para a casa daqueles que pediam calma de quem julgava a situação. Eu também já pensei assim. Mas vivemos em abismos sociais que, por vezes, nunca se chocam. A realidade do outro, deve ser vista do ponto de vista dele. Nem João Pedro, nem outras crianças nasceram empunhando armas ou cometendo crimes. Elas foram ensinadas por adultos e foi exatamente nesse momento que foram vítimas, pois perderam a inocência. Crianças não são apenas aquelas educadinhas que usam roupas de super-heróis, essas apenas tiveram direito à infância. Já recebemos meninas de doze anos grávidas, algumas engravidaram de propósito, para fugir da casa dos pais violentos. Outras por falta de educação sexual e também por uma questão econômica. Recebemos meninos usuários de drogas, alguns cometiam abusos sexuais contra outras crianças e até mesmo crianças que não praticavam crimes, mas eram marginalizadas por serem periféricas. Eles nasceram em um contexto de violência, onde lhes foi apresentado apenas a violência. Não estou dizendo que seus crimes devem ser ignorados, mas que devemos mostrar que há outro caminho que podem seguir. E apenas a educação, arte e esporte conseguem isso. Além disso, seus direitos básicos devem ser atendidos. Se nessa conta, conseguirmos recuperar metade deles, a sociedade inteira ganha. Apenas soluções a longo prazo podem garantir um futuro digno a todos. É preciso muita força de vontade para acreditar numa sociedade melhor, mas ela vale a pena.