Por Chiara Santi
O Brasil é um terreno fértil, um país múltiplo, cultural, miscigenado e sua força vem do encontro de todas essas diferenças. O nascimento de uma etnia única e especial. Fruto da mistura de três grandes formas de ser: os indígenas, os negros e os europeus. Expressamos fenótipos diferentes, mas nosso código genético é todo misturado, encontro de gerações passadas do período colonial. Marcas difíceis de digerir ainda hoje, violências e reparações que ainda precisam de cura e transformação. A passos lentos, tentamos construir um território sólido para que todos possam se sentir em casa nesse mesmo lugar.
Se o Brasil acordasse para tudo o que ele pode ser, várias nações ao redor do mundo temeriam o nosso poder. A começar pela valorização de quem somos, das riquezas naturais e culturais dentro do nosso território. Eu gostaria muito de dizer que conheço boa parte do Brasil, mas ainda não é o meu caso. Mas não é difícil de perceber que temos uma imensa riqueza, como se fôssemos um país com vários, micro, países diferentes dividindo o mesmo lugar. Uma multiplicidade de regionalismos habitando a unidade específica delimitada pelo que o Brasil é em sua totalidade.
Em toda a diferença que aqui se expressa, a percepção de uma humanidade que deveria ser livre de pré-conceitos. Enquanto ao redor do mundo vemos uma grande disputa territorial, uma defesa do espaço e um discurso quase megalomaníaco por uma “limpeza étnica”, o aparecimento da raça pura, sem mistura, um ódio declarado a tudo o que é diferente, aqui no Brasil embora aconteça casos que ainda reproduzem os efeitos da colonização europeia, com o reflexo dessa briga fomentada em torno da declaração. Nós VS Eles, porém, de modo geral no Brasil, Nós e Eles se misturam e existe um grande Nós ampliado, os brasileiros.
Como brasileira, parda, sou marcada pelo intercurso racial. Sou fruto da mistura, e por vezes isso causou em mim um limbo identitário. Até começar a me entender como fruto de todo esse percurso histórico pelo qual o Brasil passou. Conhecendo melhor o trabalho do antropólogo Darcy Ribeiro, encontrei um direcionamento para me entender enquanto brasileira miscigenada. E entender que essa é a riqueza da minha identidade, do meu modo de ser. E toda a beleza única que pode surgir a partir daí. Não tenho ressalvas dentro de mim com relação ao Outro, sou incapaz de maltratar alguém só porque essa pessoa é diferente de mim em algum aspecto. Em todo lugar eu vejo o encontro da diferença. Quando vejo turistas de outros países, meus olhos brilham, encantada, curiosa por aquele outro modo de ser.
Mas é claro, também não quero me fazer de cega pela tensão que a diferença é capaz de causar, pelos processos históricos que geraram desavenças e ressentimentos entre as nações. Não à toa vemos a eclosão de guerras e conflitos, discursos religiosos que fomentam a soberania de um único discurso possível para explicar a origem da vida e o motivo de estarmos no mundo. O estranhamento de não ver razão em uma narrativa única, a soberania de um único modo de ser, quando, na verdade, vim do encontro de uma diferença geracional e cultural… é muito difícil compreender a imposição de uma só cultura sobre a outra. Mas sabemos que isso acontece e que esse processo fomenta as mudanças no mundo e que ao longo dos séculos muitas culturas deixaram de existir por perderem dentro desses conflitos.
O que não faz sentido nenhum é a imposição de “Eu sou melhor do que você”, quando, na verdade, não, você só é diferente. O processo de colonização dos indígenas e o modo pelo qual a catequese dos padres não respeitou de jeito nenhum aquele modo diferente de se viver. Foi um extermínio e até hoje tribos indígenas lutam para ter suas terras demarcadas e sua existência validada no território brasileiro. Por isso percebo que encontrei uma joia rara ao me aprofundar nas leituras da produção intelectual de Darcy Ribeiro. A ninguentude do brasileiro é a sua força e potência de existir contra a rejeição dos povos que não nos reconhecem em nossa mistura.
A descoberta de uma nação plural capaz de acolher a todos. Refúgio do mal da segregação, o brasileiro une e promove a completude de uma unidade em meio a todas as diferenças. Do ponto de vista utópico, podemos lembrar da grande música do John Lennon “ Imagine”, imagine todas as pessoas vivendo em paz, como se não houvesse nada que nos separasse e gerasse discórdia. Quem me dera se todo lugar do mundo fosse mesmo uma boa oportunidade para se sentir em casa, como se bastasse apenas que fazemos parte da raça humana, e isso fosse o suficiente para nos unir. Mas acho que ainda não, ainda há um longo percurso para a chegada da utopia da paz.
Sugestão de vídeo: