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Foto do escritorBeija-Flor Editorial

De olhos bem abertos

Atualizado: 21 de jul.




Por Chiara Santi


Tudo o que sempre quis.


All I ever wanted Tudo o que sempre precisei está aqui em meus braços All I ever needed is here in my arms Palavras são muito desnecessárias.

Words are very unnecessary Elas só podem fazer mal They can only do harm Aproveite o silêncio Enjoy the silence. (Depeche Mode)


Byung-Chul Han, em seu ensaio filosófico, ´´Favor fechar os olhos´´: em busca de um outro tempo, observa a dificuldade que a época contemporânea possui em promover unidades de sentido. Devido aos avanços tecnológicos, como a rapidez na troca de mensagens, notícias e informações diversas, a percepção do tempo na atualidade sofre uma aceleração contínua, fazendo com que a vida humana fique em uma eterna suspensão, como um parêntese deixado em aberto, sem delimitar o recorte do assunto selecionado.


Continuamos despertos, como zumbis que permanecem ligados, bombardeados por vários estímulos simultaneamente. Há uma epidemia de calmantes e remédios para dormir, não dormimos ou descansamos mais, somos dopados e anestesiados, ficamos confortavelmente entorpecidos diante da vida que passa por nós.


A percepção da realidade está comprimida em um tempo que não repousa com tranquilidade em torno de si, absorvendo com atenção o que se passa ao redor. Pelo contrário, orbitamos dentro do olho furacão sem jamais entender com clareza o que está acontecendo.


Rolamos a tela do feed de notícias das redes sociais do mesmo modo que só pulamos de uma coisa para outra em nossa vida sem prestarmos a devida atenção no que estamos realmente nos propondo a fazer. Byung-Chan escreve com esse cenário em mente e chama atenção para a necessidade de se promover o tempo do silêncio, do recolhimento interior, da percepção de si mesmo. “Só se atinge a subjetividade absoluta em um estado e um esforço de silêncio (fechar os olhos significa fazer a imagem falar no silêncio)” (HAN, 2024, p. 15 ) Da fuga das telas digitais, quem sabe não promover um pouco de distância para a contemplação aparecer, e a verdadeira presença do corpo e do espírito reassumam o controle para o fechamento de sentido necessário.


Na seção denominada o “tempo da festa”, o autor percebe que a vida atual está resumida em um agora efêmero que logo se dissipa. Como se o sentido da vida fosse esperar chegar a sexta-feira para que você fique livre no final do expediente e possa sair para beber com os amigos em algum bar, com a finalidade, de esquecer momentaneamente o resto e, assim, sucessivamente. Da mesma forma, Byung-Chan comenta sobre a depressão e a incapacidade do indivíduo depressivo em


assimilar uma narrativa fechada para si, existindo em uma realidade opaca que não começa e nem termina, mas que fica parada no meio de tudo, vítima de uma forte estagnação que impede qualquer movimento ou ritmo necessário para se concluir ou começar qualquer coisa. Até mesmo a capacidade de reflexão é afetada, o pensamento precisa ser capaz de concluir um sentido, de produzir uma síntese sobre algo. Em seu diagnóstico Byung-Chan, diz:


O pensamento também pressupõe a capacidade de concluir, de parar e demorar-se. Nisso ele se distingue do cálculo. Assim, o pensamento não pode ser acelerado à vontade, ao contrário do cálculo. A incapacidade de pensar analiticamente faz parte dos sintomas da síndrome da fadiga de informação (SFI), ou cansaço da informação. Trata-se da incapacidade de se tirar conclusões lógicas e raciocinar dedutivamente. Portanto, a abundância de informações acelerando-se sufoca o pensamento. O pensamento também precisa de silêncio. É preciso poder fechar os olhos. (HAN, 2024, p. 31-32)


Byung-Chan também postula como um sintoma desse tempo de aceleração contínua a criação do chamado “sujeito de desempenho”. Que é impelido a ser produtivo 100% do seu tempo de vida, a própria vida se torna o tempo de trabalho, levando muitas pessoas atualmente a chegarem em colapso sob um quadro de Burnout.


Nessa configuração, nem sequer é possível morrer, porque a morte é um encerramento. Mas ultimamente, somos chamados a continuar indefinidamente ad eternum. Em oposição ao tempo do sujeito de desempenho, Byung-Chan resgata a noção de tempo da festa em suas origens sacras e religiosas, que instauram uma nova temporalidade através da promoção de rituais específicos, que trazem um começo e um final para o culto religioso. Adentramos outro espaço em oposição ao espaço profano do cotidiano.


Para o autor, o tempo do trabalho condensou a vida na própria noção de produtividade e desempenho, em que até as pausas do meio do expediente são calculadas para que você apenas continue produzindo indefinidamente. O tempo de sono e descanso também foram roubados, por isso muitas pessoas hoje em dia sofrem de insônia e não conseguem dormir.


Para promover uma desaceleração do tempo e apenas instituir um sintoma como cura, para Byung-Chan é preciso haver uma revolução radical do tempo, o que o autor chama de promoção do “tempo do outro”. Ele cita Hegel quando diz que o amor entendido como absoluto é uma conclusão, a ideia de se entregar por completo a uma outra pessoa permite um retorno a si mesmo. Você não se apropria do outro, mas se reintegra com ele. O que o autor diz “O retorno a si não é uma apropriação, mas a dádiva do outro, precedida pela renúncia e pelo abandono de si”. (HAN, 2024, p.42)


O amor como absoluto reencontrando a si em outra pessoa é uma conclusão no tempo que promove a eternidade por meio da fidelidade estabelecida com uma outra pessoa. O tempo do outro é um tempo que dou ao outro, estabelecendo uma comunicação com ele. É uma saída de si que permite estabelecer o começo de uma conclusão, que promove sentido através do encontro real com o outro.


Algo que para Byung-Chan não acontece na comunicação digital, onde reina a impessoalidade e aceleração das conversas sem aprofundamento ou unidades de sentido. O tempo do outro instaura um diálogo que é uma troca, mesclando as pessoas em um mesmo sentido compartilhado. O tempo digital é o tempo em que opera o eu sem o tu, sobre isso o autor diz: O tempo do outro como dádiva não pode ser acelerado. Ele também escapa do tempo ao trabalho e ao desempenho, que sempre exigem o meu tempo. A política temporal do neoliberalismo abole o tempo do outro, pois ele não é eficiente. Ao contrário do tempo do eu, que isola e individualiza, o tempo do outro institui a comunidade. Somente o tempo do outra liberta o eu narcisista da depressão e da exaustão. (HAN, 2024, p. 45)


No seu comentário final com tradução do título para “intempestivamente” Byung-Chan não consegue perceber uma solução para os problemas dessa temporalidade narcísica. O tempo perdeu sua fragrância e seu sentido próprio, impelido para uma aceleração contínua que não permite a percepção de absolutamente nada, por muito tempo.


Talvez, o fim chegue de uma forma tão abrupta que nem sequer, nos daremos conta de que chegamos ao fim. Eternamente parados no meio, como a explosão de uma caixa de som no meio da apresentação de um show estridente, como o autor cita o caso de uma apresentação de uma banda de death metal que não sabia como terminar a apresentação, antes deles terminarem, os equipamentos de som explodiram.


Byung-Chan diz que nossa vida de desempenho contínuo vai nos levar para o mesmo caminho, um fim trágico e sem conclusão.


Referências Bibliográficas


HAN, Byung-chan. Favor fechar os olhos: em busca de um outro tempo. Tradução Rafael Zambonelli - 2. ed. Petrópolis-RJ: Editora Vozes, 2024. 


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