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Foto do escritorBeija-Flor Editorial

Não, autismo não é moda!




Por Maria José de Melo 

 

UMA MENSAGEM DE ALERTA AQUI!

 

Quando o assunto é autismo, temos, hoje, muitas pessoas diagnosticadas, tendo acesso a terapias adequadas, sendo aceitas e encontrando um sentido para a sua vida. Isso é um sinal positivo e de avanço na ciência. Embora, no mesmo caminho – e me parece que lutando em linhas diferentes – temos também outras pessoas (em maioria) ainda sem diagnóstico e sem um tratamento adequado, enfrentando ainda muitos desafios para se ter o básico: o diagnóstico. Em muitos casos, as dificuldades surgem porque tais pessoas dependem exclusivamente do Sistema Único de Saúde (SUS), este que, por razões políticas e econômicas, tem sido cada vez mais precarizado e sucateado. Consequentemente, elas enfrentam diversas barreiras da condição – sofrer de um transtorno. Para além disso, pertencem a uma classe social sem recursos financeiros. Tudo isso impõe, sem sombra de dúvidas, mais barreiras ao indivíduo, tais como ausência de suporte adequado, sem reconhecimento, com a qualidade de vida inevitavelmente afetadas.

 

Como as pessoas podem afirmar que “o autismo virou modinha” quando se quer possuem informações aprofundadas ou conhecimento sobre o fenômeno AUTISMO?! É um tanto complicado e perigoso afirmar essa frase descontextualizada, pois prejudica a quem precisa e quer entender o transtorno. Atualmente, muitos autistas lutam pelo básico quanto à sua condição: diagnóstico e tratamento adequado. DIREITOS BÁSICOS de toda a pessoa autista! Sofrer de um transtorno não é moda, e caso não tenha acompanhamento adequado e suporte pode gerar prejuízo significativo para a vida do indivíduo. O autismo não é romantismo – idealismo –, uma coisa bonitinha, introvertida ou genial. O autismo é inflexibilidade cognitiva, incompreensão social, sobrecargas diversas, prejuízos na comunicação, na interação social, é ter uma sensibilidade maior a toques, texturas, barulhos, cheiros, dificuldades enormes para aceitar mudanças repentinas na rotina, obsessão por objetos ou temas específicos...

 

Você dificilmente será autista sem ter um histórico bem significativo de traumas sociais; crises profundas; dificuldade para entender a sua identidade, sexualidade e se sentir pertencente à sociedade. São constantes as dificuldades com as questões do trabalho, do relacionamento familiar, amoroso e nas amizades. E, dificilmente, você não terá nenhuma exaustão durante a semana. A inadequação social é até COMUM para o autista, sentimos o deslocamento quase todos os dias. Queremos as coisas como elas são, damos importância para o significado de cada uma delas. A inexistência de uma teoria da mente desenvolvida para entender regras, padrões, piadas e ironias, prejudica muito a nossa comunicação. Temos sentimentos complexos ao longo da vida.

 

Se hoje há mais pessoas autistas diagnosticadas, tudo isso é reflexo, entre outros pontos, de alterações importantes nos critérios para o diagnóstico. Sobre isso, destaco a 5ª revisão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), em 2013, a partir da qual houve uma reorganização dos critérios de diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), e a atualização dos critérios da primeira revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11). A crescente conscientização por parte dos profissionais especializados, bem como dos familiares, amigos e professores, quanto às características do espectro autista, além da capacitação de profissionais para o seu reconhecimento – psicólogos, psiquiatras, neurologistas, etc. – também contribuem no processo do diagnóstico.

 

NÃO, O AUTISMO NÃO É MODA! FOI A CIÊNCIA QUE AVANÇOU.

 

Atualmente, temos cada vez mais conhecimento e dados acerca do TEA, mais profissionais e pessoas envolvidas nessa causa; a sociedade atual tem dado as condições materiais e intelectuais, além de mais espaço para que a sociedade em geral possa se informar e debater de forma aberta sobre o transtorno. Tudo isso nos coloca num ambiente mais favorável para o reconhecimento de sinais do TEA e/ou de que algo no desenvolvimento do bebê/da criança não está ocorrendo como o esperado para a fase da primeira infância. Ademais, permite que os profissionais especializados possam também intervir precocemente, independentemente do diagnóstico fechado, aproveitando a rica neuroplasticidade que ocorre na infância.

 

Outra questão a ser analisada nesse contexto trata-se da identificação dos sinais do TEA nos adultos; embora mais difícil e complexo, é possível, sim. (É comum a identificação, inclusive, há um crescente índice de identificação do autismo em crianças de até 8 anos) (1). Isso permite às pessoas buscar por diagnóstico e tratamento para que possam lidar melhor com as características que possuem e ter um maior bem-estar. Por falta de conhecimento, os diagnósticos na fase adulta tendem a sofrer mais dificuldade na aceitação social. Poucas pessoas questionam o diagnóstico de uma pessoa com hipertensão, diabetes ou câncer, por que então, se questiona tanto sobre o transtorno do espectro autista?! Considero que para isso acontecer de forma naturalizada é preciso que a sociedade tenha maior consciência quanto aos direitos – sociais, políticos, econômicos, civis, culturais – da pessoa autista.

 

SERÁ QUE TEMOS MAIS PESSOAS COM TEA OU TEMOS MAIS PESSOAS DIAGNOSTICADAS CORRETAMENTE COM TEA?!

 

O TEA e a neurodiversidade sempre existiram. Felizmente, temos cada vez mais informações e ferramentas para reconhecermos essas condições. Isso é um sinal de avanço da ciência e não o contrário. Embora, é claro, ainda estejamos longe do cenário ideal. Como levantei ainda no primeiro parágrafo, o SUS ainda não dá condições mínimas para a pessoa autista. A luta é muito árdua para se ter o básico, imagina o mais complexo. Precisamos de uma saúde pública democrática e de acesso para todos. Ademais, não fiquem espalhando desinformação e preconceito!

 

Portanto, todas as características do TEA são humanas, qualquer ser humano pode possuir alguma(s) dela(s). A diferença está em quem tem o transtorno, pois elas se manifestam numa proporção maior nos autistas, por exemplo, em comparação às demais pessoas que não estão no espectro. Mas você não precisa dizer que “todos são um pouco autista” para desvalidar o diagnóstico e o tratamento de quem precisa dele. O acesso aos direitos dos autistas e a consciência social quanto à neurodiversidade são essenciais para a construção de uma sociedade mais diversa. É preciso divulgação, socialização do conhecimento, de forma crítica e acessível.

 

 AH! ENTÃO, VOCÊS AINDA VÃO CONTINUAR AFIRMANDO QUE AUTISMO É MODA?!

 

Notas:

 

(1) Nos Estados Unidos a população autista é de 2,8% (2,777% para ser mais exato), esse dado é para um grupo de crianças de 8 anos — e entre adultos isso só pode aumentar com diagnósticos tardios e considerando que autismo é uma condição de saúde para a vida toda — no Brasil é possível que o número seja semelhante aos dos EUA. Ainda neste país, em 2020, as estatísticas do órgão de saúde Centers for Disease Control and Prevention (CDC), confirmou um (1) caso do transtorno a cada (36) crianças. No Brasil não temos dados atualizados para os últimos anos. Estamos esperando a publicação dos dados do último censo do IBGE, que tinha uma pergunta referente ao diagnóstico de autismo. Em breve teremos mais informações sobre qual é o número de brasileiros que são autistas.  

 

Referência Bibliográfica

 

Prevalência de autismo: 1 em 36 é o novo número do CDC nos EUA. CANAL AUTISMO. Disponível em: <https://www.canalautismo.com.br/noticia/prevalencia-de-autismo-1-em-36-e-o-novo-numero-do-cdc-nos-eua/#:~:text=Adultos%20autistas&text=Assim%20como%20as%20estimativas%20de,%2C01%25%20(Massachusetts)>. Acesso em: 17 de abril de 2024.

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