Por Bruno Pasquarelli
A relação com o tempo é um paradoxo tão misterioso quanto é a complexidade da vida. Quando eu era criança e, praticamente, só corria, brincava, sorria (e às vezes chorava), e mais que tudo, me divertia; o tempo era absurdamente sem compromisso e, por isso, era tão sério viver, por ser tão bom sentir prazer.
Quando veio a fase adulta, mais precisamente o início dela, alguns desses momentos ainda eram conseguidos quando estava com colegas, convivendo em grupos sociais, geralmente extravasando sentimentos, com pessoas de diferentes estilos, atitudes e opiniões. Parecia existir um senso de urgência para buscar a diversão. Diversão parece ser a melhor palavra para definir a melhor porção do tempo nesse período da vida.
Embora com alguns afazeres da vida profissional e acadêmica já presentes e marcantes na rotina, sempre tinha tempo para encontrar os amigos e amigas. Na verdade, a vida boa dependia desse convívio, o resto era a vida racional invadindo o espaço do tempo que antes era para desfrutar.
Nesse período, olhava para os meus pais e via o quanto eles tinham uma vida "menos emocionante", como eles eram rotineiramente equilibrados em afazeres que eu não tinha tempo para me dedicar. Eles cuidavam da família, trabalhavam, faziam compras, iam ao banco, ao contador, ao médico, me acompanhavam ao médico e ao shopping para fazer compras, organizavam os aniversários da família, rezavam todos os dias, cuidavam de algumas plantas e não deixavam a louça acumular na pia, entre outras tantas coisas.
Meu tempo era ocupado quase que inteiramente com a minha própria descoberta. O foco era na minha transformação egocentrada para a heterocentrada. É claro que hoje observo isso, mas naquele momento eu apenas vivia sem saber; vivia de acordo com a minha maturidade e mentalidade da época. Achava que fazia muito mais do que meus pais e que minha vida era "mais emocionante"; por viver em um ritmo mais acelerado, por gastar mais horas do meu dia em tarefas específicas, que ainda eram ainda exploratórias, pois estava aprendendo como estudar e trabalhar. Além disso, tinha tempo de ir em busca de mais novidades, convivendo junto dos meus amigos, privando algumas horas de sono — noite afora e madrugada adentro.
Entretanto, a vida passa, sempre passa…
Mesmo essa fase postergada o quanto fosse possível, certos eventos na nossa vida acontecem e nos fazem mudar. O olhar egocentrado de fato vai esvaecendo-se (para quem tenta se exercitar constantemente a sair dele) e a perspectiva da vida adulta vai tomando outra forma, fazendo o nosso ponto de vista mudar de acordo com as nossas demandas, já que não teremos (para a maioria das pessoas) alguém para cuidar das nossas compras no mercado, para cozinhar, para pagar os nossos boletos, arrumar a nossa bagunça no quarto, bem como para gerenciar os nossos pensamentos e nos dar conselhos.
As coisas chatas de fazer acabam sendo necessárias. Lavar a louça, por exemplo. Depois de um tempo ressignifica-se outra vez, gerando uma certa paz e alívio ao ver a pia limpa e a tarefa concluída (quem diria eu falando isso).
A relação com o próprio corpo também muda e isso tem tudo a ver com o tempo. Nossa relação com o nosso físico é também fruto de uma experiência de vida, conhecimento que se constrói aos poucos. Com o passar dos anos, a interação com a nossa "casa", o lugar que habitamos tende a aumentar. Sentimos os efeitos de forma mais presente sobre cada coisa que comemos ou bebemos, do quanto dormimos ou nos exercitamos, do quanto aceleramos ou relaxamos. Cada um destes comportamentos passa a ter uma ressonância maior em como estamos e percebemos de forma cada vez mais consciente essas reverberações do que fazemos conosco. Mais uma vez ressalto, este também é um processo que requer um exercício individual. E é por isso que a milenar Educação Física está para nos guiar nesse processo de consciência ao longo da vida.
A partir desses momentos de adaptação, digamos, ao segundo e penúltimo estágio da fase adulta, acontece então uma série de modificações na nossa rotina, no nosso estilo de vida, na mudança de hábitos que nos levam a alcançar uma versão atualizada de nós, de preferência, uma versão melhor e mais aceitável. Essa versão, me parece, inevitavelmente, a versão que eu, de certa forma, criticava dos meus pais.
Olha só que imenso paradoxo. Enquanto por volta de duas décadas atrás eu tentava me afastar daquela rotina, agora eu a vejo como sabedoria e quero cada vez mais rápido saber viver dessa maneira para, quem sabe, tentar ser sábio enquanto ainda me sinto jovem. Mais do que nunca, vejo o quanto faz diferença uma casa arrumada e limpa, um tempo deitado com os olhos fechados tentando não pensar em nada, apenas restaurando a mente para as tarefas seguintes.
Já nesse estágio da vida, percebo ser possível cuidar de si e dos outros, com muito compromisso e sem tanto esforço. Assim como é benéfico estar sozinho e conversar em oração, apenas para sentir o Todo vivendo em nós e nós dentro, deste Todo misterioso e espetacular; e parece não tomar tempo algum, apenas alguns minutinhos bem aproveitados do meu dia. É também possível ter tempo para realizar mais tarefas, com menos tempo e sentir mais conforto.
Tempo é uma coisa (fenômeno) que não é apenas a duração entre dois ou mais pontos definidos. Tempo é um estado, que a longo prazo, de forma acumulada, pode ser percebido como um estado de maturidade da consciência, que nos possibilita fazer escolhas, conscientes ou não, baseadas em critérios que escolhemos para viver para o bem-estar, pois decidimos fazer ou não fazer, despender ou não energia para algo, realizar ou dispensar uma tarefa, importar-se ou não com questões da vida cotidiana, de acordo com a percepção que nossa consciência é capaz de criar da importância de certas rotinas.
E quando nos encontramos já com alguma diferença cronológica da nossa juventude, percebemos que o tempo se adapta às nossas vontades necessárias, as prioridades mudam nossos hábitos, as rotinas incorporam-se no nosso dia-a-dia para nos deixar mais satisfeitos. Aprender a conviver com o tempo é uma sabedoria fundamental. E, afinal, citando um clichê musical muito conhecido: "ainda somos os mesmo e vivemos como nossos pais".
Até a próxima.