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Coluna “Descortinar-se”

Atualizado: 11 de mar.

Por Luciane Monteiro



Como você deixou que te convencessem de que não tem valor? ― ele foi quem a questionou dessa vez. 

Ela ficou em silêncio, pensando sobre aquilo. Não sabia onde, exatamente, havia deixado que os outros lhe dissessem quem era.” 

(*Fama ao Avesso)



Você ouviu a última? Espero que não tenha ouvido. Falo da última vez em que alguém te disse que você era menos do que é. Ou não disse, apenas insinuou. Talvez tenha deixado escapar por meio de um olhar. E você acreditou. Então, pergunto-me o porquê, embora compreenda: estamos expostos, vulneráveis, muitas vezes entregues ao soprar do vento, instáveis ao mover-se das ondas. Cansados. A vulnerabilidade nos torna presas fáceis.


Quando foi que te convenceram que você era menos? Menos capaz, menos merecedor, menos importante. E, puxando uma fala do livro mencionado acima, como você deixou te convencerem de não ter valor? Pense um pouquinho, reflita sobre a sua história. Talvez você não se lembre de si antes de se deixar abater pela pressão do mundo. Contudo, em algum momento, distante ou não, adulto ou criança, você pensou em si como alguém invencível, um herói, uma princesa, um protegido! Quem sabe você não se lembre mais da primeira vez que te envenenaram com olhares ou palavras, ou mesmo com o silêncio, pois ele também fere. 


Eu poderia fazer uma lista gigantesca: um familiar que disse que “não é assim que se senta”, “não é assim que se come”, “não é assim que se faz”. As rotulações, perigosas para a autopercepção, mas empurradas goela abaixo: “você é tímido”, “você não fala”, “você não ri". Na escola? Nem preciso dizer nada, afinal, quem não tem uma lembrança dolorosa de um colega cruel ou de uma “amiga da onça"? Aposto como ainda machuca se lembrar da bronca injusta depois que o garoto endiabrado disse um palavrão na sala de aula e jogou a culpa em você. 


E no trabalho? Você está ciente de fazer bem feito, mas o seu salário diz que não. Você desconfia merecer a promoção que um protegido ou protegida do chefe levou, mas, ainda assim, você começou a duvidar do seu talento. Sem falar nos relacionamentos! Você, homem, talvez tenha se sentido inferior aos seus colegas porque diziam “pegar todas”, mas você era deixado de lado, ou porque a bonitinha de nariz empinado te chamou de feio. Você, mulher, caprichou na produção, mas, como seu namorado esticou o olho para a gostosona dona das curvas, você achou as suas menos belas. E talvez algum parceiro, em algum momento, tenha te convencido de que sua saia era muito curta, que você distorcia o que ele falava e, portanto, a problemática da relação era você. Ele te traiu, mas transferiu sutilmente a culpa, alegando que você era complicada ou não era atenciosa o suficiente. E você acreditou? Então, acredite em mim agora, ele era um embuste. 


Compreender o predador significa tornar-se um animal maduro pouco vulnerável à ingenuidade, inexperiência ou insensatez.” 

(**Clarissa Pinkola Estés)


Enfim, vamos fechar essa lista, pois é difícil não identificar alguma situação em que fomos definidos por alguém. E, afinal, quem é essa outra pessoa para dizer quem somos? Quem são eles? Inocentes ou maldosos, podemos chamá-los, ainda, de predadores que devastam a nossa autoestima, conforme Estés. Entretanto, quem são de fato não importa mais, pois somos nós que permitimos. Então, o que nos resta fazer agora? Eu te digo: tudo. Resta-nos seguir em frente, resta-nos a vida toda, seja ela de um ano ou cinquenta, porque a vida é agora. Reveja a sua história, pegue a caneta e descreva-se, não com o olhar dos outros, mas com aquele olhar com que você se viu um dia. Acolha-se. Repita comigo: eu tenho valor, eu me defino. Só eu sei quem eu sou. 


E é isso! Só você conhece suas dores e alegrias. Só você conhece a sua essência. E ela é única! São justamente suas diferenças que te fazem tão singular. O mundo nunca terá uma cópia sua. Então, valorize-se: você é joia rara. Defina-se. 


Vamos juntos nessa caminhada comigo e com a equipe da Beija-Flor Editorial? Todo mês vou te trazer um texto, ou um conto, uma poesia. Enfim, um pouco de mim em palavras para nos conectarmos numa única força: de nos descobrirmos todos os dias. Afinal…


“É necessário apoiar-se na certeza de descortinar-se para dentro. Resistir ao mundo, ao ódio alheio, e renascer sempre que necessário” 

(Fama ao Avesso)



*Fama ao Avesso, narrativa fictícia disponível na Amazon, retrata a história de uma ex-pedagoga, cuja vida foi virada de ponta cabeça após ter um vídeo íntimo divulgado na internet. Entre altos e baixos, precisou se perder para se encontrar, compreendendo que era necessário voltar-se para si, buscar o autoconhecimento e resistir ao ódio alheio.


**A frase de Clarissa Pinkola Estés foi retirada do livro Mulheres que correm com os lobos, edição de 1994. Nessa obra, a analista junguiana explora mitos, lendas e contos de fada, desvendando o arquétipo da Mulher Selvagem.


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