Por Luciane Monteiro
“Sentia-se a cada dia mais oprimida em seu casamento, mas ninguém sabia. Como iria contar à mãe que vivia a mesma vida infeliz que ela (...) ? Como contar que não fora atenta aos sinais…”
(A última tempestade)
Por que amamos? Porque buscamos a felicidade, a cumplicidade e a completude. Queremos o olhar, o toque, a presença. Um relacionamento deve trazer leveza aos nossos dias. Isso não significa exatamente que tudo será sempre perfeito, pois na vida real existem os momentos bons e ruins, embates de opiniões, bem como choques de temperamento e até um ciuminho saudável.
Por outro lado, se o relacionamento estiver trazendo peso, tristezas e inseguranças, é hora de repensar o que se está vivendo. O parceiro deve vir para acrescentar e não para subtrair sonhos, sorrisos, amigos e o contato com a família. Enfim, não tenha medo de se fazer essa pergunta: está somando ou subtraindo? Estou melhor? Mais produtiva? Mais alegre?
“Ela não entendia o próprio direito de ter feito escolhas erradas, de ter se enganado. Não era a única a carregar o sentimento de culpa pela própria infelicidade.”
Sinais de perigo
A Dra. Ana Beatriz Barbosa, no livro Mentes Perigosas, reforça que, “se realmente quisermos fazer algo para reduzir o poder de destruição das pessoas impiedosas, antes de tudo temos que aprender a identificá-las”. Por isso, decidi escrever esse artigo focando nos relacionamentos doentios. Você sabia que existe uma sequência para uma relação ir de um conto de fadas a um pesadelo? Das juras de amor às agressões e ameaças? E que o narcisista perverso tem certas características específicas? Veja algumas:
Superestima suas capacidades: tudo o que ele faz é melhor, portanto dificilmente reconhece as qualidades das outras pessoas. Às vezes, deixa escapar um olhar de desprezo a uma conquista alheia, podendo até mudar de assunto ou destacar depressa algum feito próprio a fim de trazer a atenção para si. E, tendo em vista que ele é o centro do seu universo, as suas necessidades serão prioridade numa relação, levando o parceira a se sentir sempre em segundo plano.
Precisa de admiração, por isso vai se cercar de pessoas cuja autoestima não seja elevada como a dele. Estes “fiéis seguidores" darão palco a tudo o que ele faz.
Reage mal diante de uma crítica: é preciso estar ciente de que será difícil convencê-lo da necessidade de mudar alguns comportamentos inadequados, pois ele acredita estar sempre certo.
Não tem empatia: ele não se comove com pessoas em situação inferior à sua, bem como não se preocupa com quem vai derrubar para conseguir o cargo que deseja. Então, não se pode esperar comoção da sua parte pelas angústias alheias. Como ele não faz uma conexão profunda com o outro, sua parceira começa a se sentir ignorada.
Usa as pessoas. Ele não cumprimenta o porteiro ou alguém que não lhe trará benefícios. Por outro lado, aproxima-se de quem pode lhe oferecer algo em troca ou ser uma ponte para os seus objetivos. Extremamente manipulador, ele sabe tanto usar a palavra para convencer quanto usar a emoção alheia para conseguir o que quer.
É ciumento. E aí é preciso tomar cuidado, pois muitas vezes o ciúmes é confundido com sinal de amor. Porém, o ciúme do narcisista é possessivo, e isso não é amor, é um sentimento perigoso.
É arrogante: tem um olhar de superioridade para uns e de menosprezo para outros, normalmente desprezando a opinião alheia.
Enfim, o narcisista perverso gosta de provocar sofrimento e sabe usar a palavra para manipular. Então, cuidado, pois ele pode ser envolvente. Suas vítimas são pessoas inteligentes, porém carentes e sensíveis, facilmente "detectáveis" por um narcisista perverso.
Relacionamento tóxico
“Não sabia por que aguentava tanto controle, talvez carência, talvez medo. Quem sabe vergonha de contar às pessoas. Ou ainda, as chantagens emocionais e ameaças veladas quando ela dizia que iria embora.”
Num relacionamento, o “predador” vai parecer perfeito a princípio, compreensível e acolhedor, envolvendo a vítima rapidamente, sem lhe dar chance de conhecê-lo a fundo. Assim, a “presa” não escapa, pois em pouco tempo estão num relacionamento sério, morando juntos ou mesmo casados. Quando ele mostra a verdadeira face, ela já está sob seu domínio. A sequência é simples:
Aos poucos, ele afasta a vítima dos amigos: o pretexto, a princípio, será de querer mais tempo juntos. Depois, vai rotular as pessoas com quem ela se relaciona e dizer que todos estão com segundas intenções. Algumas vítimas confundem sentimento de posse com ciúmes, não percebendo, desse modo, o perigo.
A saia está mais comprida? Claro que não é padrão, mas ele pode querer definir o que a companheira veste e o quanto se mostra, para manter controle. Bem como pode, ao contrário, querer exibi-la como um troféu e, nesse caso, vai exigir que ela se mantenha sempre em forma nem que seja à base de privações. Afinal, ela tem que combinar com sua majestade, o narcisista. Cuidado com os extremos.
O trabalho dela é irrelevante: ele pode minar a autoestima profissional da parceira, pois não quer que ninguém se destaque mais do que ele, então não se pode esperar seu apoio. Afinal, ele precisa ser o centro das atenções. Pode, ainda, querer que ela deixe de trabalhar, com promessas de lhe dar todo o conforto, quando, na verdade, quer criar uma dependência financeira. Lembrando que, se a mulher decidir se dedicar apenas à casa e aos filhos, isso é uma escolha e, portanto, diferente de ela ter objetivos de crescimento profissional e se sentir acuada ou desmotivada para persegui-los.
Sua família agora sou eu: construir uma nova família e crescer juntos é um presente desde que ele não afaste a companheira dos parentes e amigos com o pretexto de ela precisar ser mais presente na casa, ou porque “seus parentes são inconvenientes”. Um companheiro de verdade vai se integrar e respeitar a conexão familiar se isso for importante para ela.
Violência psicológica: ele vai, aos poucos, destruindo a autoestima da mulher. Pode ser sutilmente, rotulando-a de desligada, perdida, atrapalhada, burrinha. Pode ser mais direto, chamando-a de burra, afirmando que está fora de forma e que, se o deixar, ninguém vai querer ficar com ela. Pode, ainda, usar o *gaslighting, tratando-a como se ela fosse a louca que distorce suas falas. E assim vai lhe sugando a energia, a força, a vontade de fazer coisas novas. Porém, agora, ela não tem amigos e se afastou da família, sente-se sozinha. Ele está pronto para partir para o passo final, que é a agressão física.
“Por que você não se separa?” Não tem nada mais agressivo do que esta pergunta. Isso porque quem está dominada num relacionamento tóxico não tem forças para sair, por diversas razões:
Amor: ele é, muitas vezes, mais forte que a razão, pois o parceiro vai se mostrar arrependido das agressões psicológicas ou físicas, e vai prometer mudar. Quem ama sempre deposita esperança na mudança do outro. Porém, se esse outro for um narcisista perverso, ele não vai mudar, será apenas “reincidente". Aliás, ele sente prazer em fazer o outro sofrer.
Vergonha: ela abandonou os amigos, afastou-se da família, parecia ter o relacionamento perfeito. E agora? Como dizer que falhou? O que os outros vão falar? Sim, é natural o medo da exposição, de “se sentir fracassada”.
Culpa: ela se pergunta onde errou, pois ele sempre vai colocar-se como vítima do seu ciúmes, do seu mau-humor, da sua cabeça complicada, da sua indiferença. É preciso tomar cuidado: ele é ardiloso.
Medo: esse é o mais grave de todos, pois, incapaz de convencer de outro jeito, ele vai partir para as já conhecidas ameaças: “Se você não for minha não será de ninguém” ou “Se você se separar, eu te mato”. É claro que não se pode subestimar o homem covarde e violento, pois os números de feminicídios são gritantes, mas é preciso pedir ajuda. E tem ainda a ameaça baseada nas suas emoções ou sentimentalismo: “Se você me deixar, eu me mato”.
Se você se reconhece em alguma das situações expostas, se está vivendo ou conhece alguém que esteja nessa situação, é importante identificar. Se for um início de relacionamento, fuja enquanto é tempo. No artigo “Narcissique, moi?” Chantal Éthier dá uma dica muito importante, que é não se deixar manipular, pois o narcisista pode usar do seu charme e poder de persuasão para convencer a parceira ou mesmo deixá-la com sentimento de culpa. A autora também ressalta que não se deve jamais esperar reciprocidade de um narcisista, e o melhor para a saúde mental é evitar confronto.
“Você falhou? Não! O problema não está em você.”
Acrescento que, se você estiver num relacionamento com um narcisista, deve refletir sobre os seus sentimentos. Se você se sente desvalorizada, excluída, desmotivada ou mesmo inferiorizada, lembre-se: a culpa não é sua. O narcisista gosta de ser o centro das atenções e não tem empatia por ninguém além de si próprio. Ele não vai elogiar suas conquistas porque tem inveja da vitória alheia e gosta de inferiorizar as pessoas. Não carregue culpa alguma por estar num relacionamento com alguém cujo centro do universo é ele mesmo. Não é disso que precisamos, amar é compartilhar momentos, sonhos e sorrisos. Enfim, o amor tem que ser leve!
“O opressor costuma fazer a mulher se sentir culpada por querer ver os amigos e familiares. Aos poucos ela vai se afastando de todos e, quando vê, não tem mais ninguém.”
Se for um caso mais grave, em que a pessoa se sente sem força para sair, é preciso buscar ajuda profissional, como um terapeuta, por exemplo, para iniciar um processo de resgate. Porém, não é o único caminho, você pode, sem vergonha de ter errado, buscar a família, os amigos, ou mesmo centros de ajuda à mulher.
Agora, se tiver ocorrido violência física, o caso é gravíssimo. Não importa se foi um empurrão ou um tapa, é violência da mesma forma. Liberte-se! Ele facilmente convencerá sua vítima a dar outra chance, porém, não mudará. É preciso denunciar.
Formas de violência previstas pela lei: física, moral, psicológica, patrimonial e sexual.
Para denunciar violência doméstica: ligue 180, central de atendimento à mulher, ou 190, Polícia Militar.
Em Curitiba, você também pode contar com a Casa da Mulher Brasileira: (41) 3221-0701
*Gaslighting: se enquadra no abuso psicológico, pois é uma forma de manipulação onde a pessoa distorce a realidade, de modo a levar a vítima a questionar a própria lucidez.
Mulheres que apoiam mulheres:
Siga o Ela, Curitibana, não apenas se você for de Curitiba, mas de qualquer lugar do Brasil, para acompanhar postagens informativas sobre esse e outros temas concernentes às mulheres em situação de vulnerabilidade: @elacuritibana
No CMA-PR, as advogadas estão sempre atentas às pautas femininas e postando novidades e apoio a outras mulheres. Vale a pena acompanhar: @cma_oabpr
Os meus livros que abordam a violência contra a mulher são:
A última tempestade (Editora InVerso) retrata não somente a evolução de um relacionamento tóxico, mas também a cura e recomeço da personagem. Foi pesquisando para escrever esse livro que me dei conta da profundidade do problema e do número de mulheres que sofrem ou já sofreram violência conjugal. As citações ao longo do artigo foram retiradas desta obra.
Fama ao Avesso (KDP Amazon): o livro aborda a pornografia de vingança, uma outra forma grave de violência contra a mulher, em que o agressor expõe fotos ou vídeos íntimos constrangedores na internet. Vem se tornando bastante frequente devido ao aumento do uso das redes sociais.
Artigo Narcissique, Moi?, de Chantal Éthier: